domingo, dezembro 06, 2009

FENOMENOLOGIA PARTE FINAL

Caráter Dialético da Fenomenologia

Segundo Strasser (Phénoménologie et sciences de l’homme, p. 257), haveria ainda duas outras características importantes a serem esclarecidas: a fenomenologia enquanto ela é uma hermenêutica e uma dialética.
A fenomenologia para Husserl é uma ciência dos fenômenos, mas não dos fenômenos considerados como os da ciência: A fenomenologia não será uma ciência dos fatos mas sim das essências. Os fenômenos que ela estuda não são os fenômenos reais do mundo, mas sim os fenômenos que sofreram as reduções transcendentais eque Husserl chamará de fenômenos irreais.
Tanto o mundo exterior quanto a realidade transcendental são reais (Wirklich). A realidade exterior, transcendente, é real no sentido natural (Real). A realidade transcendental é real no sentido primordial (Reell).
As essências são a resultante da redução eidética, e que serão atingidas pela intuição eidética numa singularidade eidética. A característica do intuicionismo nos fornece uma estrutura determinada do ser, que por sua vez será um ser determinado, um ente particular. A estrutura eidética que pertence a um gênero de ser, na verdade ela é uma estrutura determinada, fazendo, assim, com que fiquemos na limitação da intuição, na finitude que caracteriza a intuição. Por isso mesmo o pensamento do Ser, em geral, não pode se dar sob a forma de uma intuição. Com efeito, a consciência intuitiva se constitui pelas intenções significantes que foram preenchidas. Ficam fora da consciência intuitiva as outras intencional idades visadas mas não intuicionadas. Encontramos, portanto, no seio da própria análise da consciência os limites da consciência intuitiva, ou, em outros termos, que a consciência é intuitiva, e não-intuitiva, que o Cogito é Reflexão e Irreflexão, Consciente e Inconsciente.
Por outro lado, ainda, já havíamos feito observar que toda presença intuitiva se dá num horizonte.
Se analisarmos, agora, a estrutura desse horizonte, verifica mos que a cada região encontraremos um tipo de horizonte próprio, provido de uma estrutura eidética determinada. O horizonte, de certa forma, prefigura o trajeto que seguirá a intencionalidade da consciência se esta se quiser converter em consciência intuitiva. O que é tomado em consideração, portanto, é uma estrutura eidética determinada, a estrutura de um horizonte particular. O intuicionismo será incapaz de pensar a essência do horizonte enquanto tal. O horizonte é precisamente aquilo que escapa ao pensamento quando ele quer intuir a sua essência. O horizonte transcende toda determinação, e nos coloca diante da Consciência não-intuitiva. E é exatamente esta Consciência não-intuitiva, este horizonte que torna possível toda e qualquer presença. "O que permite a todo ser se manifestar, se tornar "fenômeno", é o meio de visibilidade no qual se dá a presença efetiva." Mas tudo isto só é possível porque há um horizonte transcendental de todo ser em geral, e que escapa à determinação da Consciência intuitiva. Surge a necessidade de que a fenomenologia desenvolva a sua segunda característica fundamental: o seu caráter dialético.
Será o pensamento dialético quem permitirá descobrir o ser-encoberto, o ser recoberto, quem fará o ser aparecer.
O pensamento dialético é exatamente aquele que permitirá ao homem ultrapassar as perspectivas unilaterais e os horizontes limitados. A consciência da finitude que nos dá o intuicionismo é ultrapassada, é negada por um movimento de transgressão desta finitude.
Este momento negativo nos impulsiona a um ato novo, criador, e que atestará o Ser. Pela fenomenologia da significação, Husserl nos indica que o Horizonte é a significação absurda, pois sem preenchimento possível. Entretanto eu posso visar o Horizonte sem tê-lo presente, sem tê-lo preenchido.
Esse pensamento dialético será uma das dimensões do Logos.
Logos, significou Palavra, Pensamento, Razão, Verbo, Linguagem, Diálogo, Dialética. Dialética vem do grego dia = lego = discutir, conversar. Dia - advérbio e proposição indicando a idéia de separação. Por extensão: discorrer, raciocinar, dialektikos, - que concerne à discussão, arte de discutir, arte de calcular as probabilidades na discussão. Na realidade, ele significou ao longo da história todos esses conceitos, e ele os conserva ainda hoje no seu seio. O Logos permite ver, pela luminosidade que projeta, a relação entre o Ser e o Devenir. O Ser é aparentado ao devenir pois o verbo no prefeito e no aoristo é conjugado, é empregado pelo verbo devenir.
A dialética nos permite ver esta ligação entre o Ser e o Devir, ela nos desvela o Ser em Devir, ela permite que o Ser escondido se manifeste, apareça.

A dialética enleva o Ser do seu esquecimento, da sua dissimulação; ela se faz apelação, palavra, interpelação; ela permite que entremos em acordo, que reconheçamos, que pensemos, que falemos, que nos comuniquemos.
Essa dialética se exerce, entre outras, por meio da palavra. A palavra é um signo que me remete ao designado. A relação entre o signo e o que ele significa para nós é uma relação intencional. A palavra é um signo verbal que realiza a tentativa de tornar presente algo que está ausente. Pela palavra eu transcendo a realidade concreta da situação, transformando o ser ausente em ser presente

Caráter Hermenêutico da Fenomenologia

A partir das Meditações Cartesianas, a fenomenologia, além de descrever os correlatos noéticos-noemáticos, passará a se constituir numa disciplina pela qual o sujeito é quem passa a ser doador de sentido, numa disciplina voltada para os problemas da constituição, isto é, os modos pelos quais meu corpo, a existência dos outros e do mundo aparecem em minha experiência.
Tratar-se-á de descrever a maneira concreta pela qual aparecerão essas transcendências; não se trata de suprimir os parênteses, nem de querer provar a existência do mundo.
A fenomenologia de Husserl nos conduz da experiência mundana à atividade do sujeito transcendental, assim como, nos mostra de que maneira esta atividade constitui em sua experiência o aparecer do mundo e dos outros.
Por outro lado, Husserl irá recusar o ideal cartesiano de um pensamento sem pressupostos, embora de modo apenas indicativo, sem maiores desenvolvimentos. Serão os filósofos que prosseguirão nesta direção, que se encarregarão de desenvolver este aspecto da fenomenologia na sua característica de hermenêutica.
Ela afirmará que o pensamento se encontra situado desde o início, é um pensamento engajado, encarnado. Há sempre algo pressuposto quando começo a filosofar; a minha própria existência; não uma existência abstrata, como falava Descartes, mas uma existência aqui e agora. Assim, por exemplo, eu penso enquanto filósofo que foi educado na cultura ocidental, enquanto filósofo que herdou do passado as contribuições de Platão, Aristóteles, S. Tomás de Aquino, Kant, Hegel, Husserl, Freud, Marx. Assim a filosofia, já na Grécia Antiga, chamava de Ermeneia (Hermenêutica) a esta tentativa de explicar e de interpretar esta minha existência, este pensamento situado.
A atitude hermenêutica não aceita que a reflexão se faça sem ser em situação, como se fosse possível uma Consciência a-histórica, a-cósmica.
A fenomenologia enquanto hermenêutica pretende interpretar esta existência, este pensamento situado. A existência é pré-dada à reflexão. A tarefa da reflexão será a de tentar colocar de modo claro as estrututras desta existência, assim como de captar a sua significação.

Foi Aristóteles, no Tratado do Organon, quem escreveu um livro intitulado Peri Hermeneias: sobre a Interpretação. Ele se preocupava com a significação do nome, do verbo, da proposição, da significação do discurso. Assim, já para Aristóteles, a significação completa aparecia na frase, no logos. Isto significava que dizer algo a respeito de algo era interpretar. O verbo era o instrumento da atribuição que ele interpreta, que ele significa.
Esse sentido restrito em Aristóteles foi alargado posteriormente. Passou-se a chamar de Hermenêutica a ciência das regras da exegese, isto é, da interpretação particular de um texto. O objeto material da interpretação passa a ser o documento particular proveniente de um autor determinado. Ela passa a ser análise literária, histórica e doutrinai do texto. Posteriormente, é o próprio conceito de texto que se ampliará, já que o texto pode ultrapassar a escrita na medida em que há outros tipos de leitura possíveis; assim, por exemplo, a natureza, um sonhp, são textos que podem ser lidos de alguma forma, e conseqüentemente passam a ser objetos da hermenêutica. Assim, para Spinoza a interpretação da natureza é o modelo perfeito da hermenêutica, pois é ela quem nos introduzirá no conhecimento da única Substância. A hermenêutica para ele será a fonte de todo e qualquer conhecimento, pois ela se exerce graças ao Conatus, isto é, ao esforço para ser, graças ao Conhecer, ou, em outros termos, pela análise da natureza eu realizo o verdadeiro conhecimento do que eu sou.
O que interessa na interpretação é a dimensão da significação e do valor do texto. Ela se faz em níveis complementares:
a) inicialmente se exerce a epoché onde o juízo pessoal é suspenso para se submeter ao texto, para acolher o objeto material fornecido pelo texto;
b) em seguida se eleva à síntese em direção da significação e do valor do texto. Aqui intervém o julgamento pessoal. Por isto compreender um texto não significa reproduzir o que pensava o autor, ou fazer um inventário histórico do pensamento passado; compreender envolve um apreender atual que se faz na historicidade de nossa existência.

Há dois estilos de Hermenêutica segundo P. Ricoeur.

1) A interpretação será manifestação e a restauração de um sentido que nos é dirigido sob a forma de uma mensagem.
A interpretação seria, então, a inteligência do duplo significado :
a) um que é dado, manifesto; e b) outro que é escondido, latente.
A interpretação se refere, assim, a uma estrutura intencional a partir da qual o primeiro sentido já é dado através dos sinais que nos mostram o seu sentido primário, manifesto, latente. O papel do hermeneuta consistiria em restaurar o sentido latente que é dirigido sob a forma de mensagem.
2) A hermenêutica será compreendida com uma desmistificação, como uma redução de ilusões. Ela será uma interpretação redutora e destruidora. A destruição seria o momento necessário para se dar a nova fundação, na qual eu interpreto, decifro as expressões. Teríamos, assim, uma ciência mediata do sentido, uma visão do problema epistemológico numa perspectiva nova, pois ele deveria retirar as ilusões, as alienações, ele se definirá por uma tática de ação, tendo por base a suspeição, a luta contra os mascaramentos.
Jean-Pierre Osier, no seu prefácio ao livro de Feuerbach, A Essência do Cristianismo, reformula um pouco estas duas orientações gerais da Hermenêutica que acabamos de descrever.
Segundo este autor, a filosofia pode beneficiar-se da leitura religiosa, e em especial deste livro de Feuerbach, porque para ele a filosofia moderna se caracteriza por ser uma via em busca de sentido, uma via que define o conhecer como um re-conhecimento do sentido, um re-conhecimento do livro da natureza, da história. Esta leitura terá como propedêutica a interpretação, o decifra-mento. Ora, nos dirá Osier, a "Essência do Cristianismo" constitui um centro visível ou escondido da filosofia moderna, na medida em que ele é a promoção do religioso como prolegomeno à toda leitura do profano que queria se apresentar como ciência" (Feuerbach, Ludwig: L’essence du christianisme, Paris, F. Maspero, 1968, p. 10).
Na Essência do Cristianismo, o problema do religioso é colocado em termos de interpretação, de sentido, supondo, assim, algo lizível. A religião é um livro que tem vários sentidos, várias leituras.
Ele irá contrapor a essa leitura do religioso uma outra: a de Spinoza no seu tratado Teológico-Político.
Para Spinoza é necessário que partamos de uma teoria da Leitura para que possamos realizar toda e qualquer leitura. Para ler nós devemos nos deslocar dos dados imediatos ofertados à leitura. Esse deslocamento não nos irá levar a descobrir um sentido latente existente por detrás de um sentido manifesto. Esse deslocamento me introduz num novo nível, num grau superior do conhecimento, procedendo por meio do raciocínio dedutivo, por definições, por explicações causais.
A religião assim deslocada do seu nível imediato, do seu nível de significação e de interpretação, será considerada como um EFEITO. Para compreendê-la eu devo produzir as definições científicas que permitirão dizer suas CAUSAS racionais.
"Essas causas racionais da religião estão no fato de que a conduta racional não é sempre universal; por isto surgirá um Discurso Imperativo que se dirige à imaginação dos homens, mostrando a religião como um meio de nos dar regras morais e políticas que nos conduzirão à virtude. Assim, a leitura da Bíblia nos permite reconhecer o efeito imaginário de uma causa que age metonimicamente: tal é a interpretação científica do religioso" (Ibid. P. 10).
Para Spinoza, o texto é um efeito e conseqüentemente o seu sentido também. Conhecer aquilo que se lê significa Produzir o Conceito Teórico que nos permite ver os mecanismos de produção do texto, do sentido, da própria hermenêutica.
Esses mecanismos da produção nos falam de uma Causa que age por metonímia. Tecnicamente, metonímia é a figura que sublinha a conexão de um significante a outro significante; ela estabelece uma ponte entre vários significantes, permitindo que se dê o deslocamento de um nível para outro graças à combinação de um termo com outro termo que se desliza, se desloca, dentro de um processo articulado de relação de causa e efeito.
A partir da interpretação Lacaniana, Freud e Marx se situam nesta linha de Spinoza e não na de Feuerbach. Para Lacan,, a interpretação não é "uma hermenêutica que descobrirá por trás do texto manifesto uma narração latente, sustentada "na imanência do sentido" . Para ler um sonho é preciso produzir sua leitura, e não reduzir o manifesto ao latente, ao secundário, ao primitivo" (Lacan, Jacques: Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 18).
A Epistemologia aqui se define em termos de Processo e Produção e não em termos de Compreensão de um texto que possui um sentido.
Nas ciências empíricas a interpretação se encontra sob duas formas:
a) interpretação antecipadora ou hipótese: ela antecipa sobre os resultados da pesquisa, da experiência. A hipótese é o resultado da interpretação de uma problemática inicialmente pré-científica.
b) interpretação hermenêutica para as ciências históricas, a psicologia e a sociologia. Ela depende da situação, que será descrita ou sobre a qual formularemos hipóteses.
Ambas devem ser verificadas a posteriori por métodos empíricos.
Vemos assim que a prática científica é antecedida por uma fase pré-científica que interessa à fenomenologia. Esta irá descrever e interpretar a existência humana, embora não vise se perder nas suas vivências, mas sim encontrar a sua estrutura universal dessas experiências. Por elas a existência se manifesta como consciente, livre, corporal, histórica e através delas são colocadas as questões relativas ao sentido do mundo e ao sentido do estar-no-mundo para o homem.

 Por Creusa Capalbo

terça-feira, dezembro 01, 2009

FENOMENOLOGIA PARTE II

Caráter Intuitivo da Fenomenologia


Husserl fala da Intuição doadora de sentido, de uma Visão que constitui seus objetos.
Uma palavra não tem materialmente sentido: ela é uma realidade sensível como o mundo físico. Uma palavra torna-se sinal, portadora de sentido, graças à consciência que é mais do que perceptiva, ela é capaz de realizar atos significativos.
O ideal do conhecimento para Husserl será realizado por uma apreensão das coisas nelas mesmas, por uma consciência capaz de preencher integralmente todas as potencialidades significativas das coisas. Este ideal porém é uma idéia no sentido kantiano, isto é, nós não podemos nunca alcançar essa plenitude.
A nossa significação segunda Husserl é preenchida de dois modos: i) pela imaginação: ela nos dá a coisa numa imagem; e ii) pela percepção: sensível - (matéria) categorial - (forma)
A Fenomenologia não aceita que possamos distinguir, nos objetos ideais, o lógico e o real. Os objetos ideais não são nem puramente lógicos, nem reais, nem uma síntese dos dois.
A fenomenologia afirma que toda consciência é intencional e que nenhum objeto é pensável sem referência a um ato da consciência que consegue alcançá-lo. A evidência do conhecimento consiste no fato da presença do objeto na consciência. Mas nenhuma evidência é adequada, isto é, nem na percepção nem no juízo, a coisa seda totalmente, adequadamente.
A evidência e a percepção possuem um horizonte (de passado e de futuro), elas se desenvolvem no tempo, elas estão situadas. Assim o pensamento está em situação, ele está inserido numa linguagem. Conforme seja a nossa inserção no mundo, assim nossas evidências serão diferentes; já que há pluralidade de perspectivas do mundo, haverá também uma pluralidade de verdades.
Aqui estamos mais próximos de Heidegger e M. Ponty que de Husserl. Para este todo pensamento visa a coisa e só se exerce na presença do mundo, por isto a verdade como adequação será a do conhecimento à coisa. Entretanto se para o pensamento clássico, essa definição se obtém, graças ao primado do juízo, para Husserl, ele acrescentará que tal juízo só se concebe quando enraizado, fundado numa experiência ante-predicativa. Essa experiência ante-predicativa transcende a distinção do sensível intelectual. O que Husserl quer, para evitar o psicologismo da época, é distinguir o juízo como ATO de afirmação, do juízo com CONTEÚDO RELACIONAL visado.
Husserl distingue pensamento e conhecimento. O conhecimento é explicado como preenchimento (Erfühlung) da intenção. A intenção é dita significativa quando significamos intencionalmente o objeto, sem levar em conta a sua presença.
Quando esta intenção é preenchida pela presença do objeto nós temos uma intuição. Podemos assim definir a intuição como o preenchimento de uma intenção.
A consciência dessa intuição é chamada de evidência e ela pode ser de três modos. A cada um dos modos da evidência teremos, conseqüentemente em correspondência, um tipo de intuição. A evidência é uma experiência que se reveste de diferentes modalidades em conformidade com o caráter do objeto experimentado.
O objeto intuído e experimentado pode ser REAL e IMAGINADO ou RECORDADO. O objeto real apresenta-se em pessoa, na sua mesma corporeídade, em si mesmo ou imediatamente: PRE-SENTAÇÃO. A intuição tem então um caráter peculiarmente fundamental, e por isso é chamado intuição originária ou percepção. O objeto imaginário ou recordado não é apresentado de uma forma plenamente originária. Não temos portanto uma presentação, mas, uma presença de caráter inferior: REPRESENTAÇÃO ou APRESENTAÇÃO. Trata-se de uma posse indireta do objeto apreendido através de outro dado imediato que de alguma maneira o sugere ou apresenta.
No objeto podemos, também, distinguir três espécies diversas: OBJETO SENSÍVEL, CATEGORIAL e UNIVERSAL.
a) OBJETO SENSÍVEL: trata-se duma percepção; o objeto é apreendido na sua singularidade empírica, de um modo simples, sem necessidade de qualquer fundamento. Teremos a intuição sensível.
b) INTUIÇÃO CATEGORIAL OU AFIRMAÇÃO: refere-se a formas ou OBJETOS CATEGORIAIS. O termo não é derivado das categorias de Kant. Baseia-se no sentido do verbo grego AFIRMAR, EXPRIMIR. Na afirmação: "este prado está florido", o "prado", as "flores", são objetos sensíveis; mas o fato do prado estar florido, que é precisamente o que se afirma, é um objeto categorial.
Por certa extensão é denominado categorial qualquer objeto supra-sensível ou ideal, isto é, não apreensível pelos sentidos, ou mesmo o aspecto metempírico do objeto sensível. Podemos pois falar de intuição categorial sempre que se dá uma percepção supra-sensível, à qual se pode também insinuar mesmo em percepções de caráter fundamentalmente sensível.
Pela intuição categorial, Husserl supera o empirismo, que restringe a intuição aos objetos sensíveis. As coisas, a realidade, não se podem confundir com as coisas da natureza: "A última fonte de direito de todas as afirmações racionais é o ver imediato, não apenas o ver sensível ou experimental mas o ver em geral como consciência doadora originária em qualquer das suas formas"; e
c) OBJETOS UNIVERSAIS - (= ESSÊNCIA, ou EIDOS): são conceitos universais ou formas capazes de se verificarem invariavelmente em diferentes indivíduos.
É relativamente a estes objetos que se dá, no seu sentido próprio, a intuição eidética ou ideação.
Husserl chamará de NOEMA a descrição das diversas maneiras como o objeto se mostra quando é intencionado e chamará NOESIS a cada ato da consciência. Assim, a cada noesis corresponde um noema correlativo. Exemplo: à noesis ato de imaginar (imaginação) teremos o correlato noemático imaginário (Ibid., pp. 315-316; 370-375).
Essa preocupação com a descrição dos correlatos noético-noemáticos predomina em Husserl até as Meditações Cartesianas. Daí em diante a fenomenologia passa a ser desenvolvida com uma disciplina pela qual o sujeito é quem passa a ser doador de sentido.
Mas Husserl sabe que um conhecimento para ser objetivo tem de ser inter-subjetivo e por isto, como esse sujeito doador de sentido, para não cair no solipsismo, pode se comunicar, ser compreendido e apreendido pelo outro? Husserl terá, assim, de tratar do "outro eu" e da constituição dos objetos para uma pluralidade de sujeitos. Ele vai apelar para o conceito de sentimento interior ou intropatia (Einfühlung). Esse termo era usado pelos contemporâneos de Husserl para falar do problema da percepção dos outros por intermédio dos corpos. Isso significa que o meu EU pode ser dado como interioridade e como exterioridade e isso se dá de uma forma imediata, e não por um pensamento mediatizado. Esse sentimento interior permite que se constituam outros eus idênticos ao meu eu, na consciência transcendental.
Por esta consciência transcendental é que Husserl queria assegurar á filosofia um caráter de evidência absoluta. Podemos dizer, assim, que do ponto de vista metodológico a fenomenologia se propôs, inicialmente, ser um método de evidência ou uma filosofia primeira.
Será posteriormente que a fenomenologia se proporá como método descritivo, como "uma disciplina puramente descritiva, que explora, pela intuição pura, o campo da consciência transcendental mente pura" (Ibid., p. 141).
A seguir com Heidegger, M. Ponty, E. Fink, Sartre, a escola de Louvain, P. Ricoeur, não haverá mais a preocupação em passar do sujeito empírico para o sujeito transcendental. A descrição se aplica â explicação da existência humana situada no seu aqui e agora. O que se trata, então, é de descrever de que maneira concreta e original o meu corpo pertence à minha experiência, a existência dos outros e do mundo aparecem e pertencem à minha experiência.
Segundo Desanti (Desanti, jean T.: Phénoménologie et práxis. Ed. Sociales, 1963, pp 60-65) essa tendência da fenomenologia, oriunda do pensamento da "Krisis" de Husserl, renova, num certo sentido, o projeto de Hegel. "Ela quer colocar em evidência o movimento de auto-educação da consciência, quer nos indicar o campo histórico onde esta consciência acede a si mesma, na variedade de seus conteúdos e unidades dos momentos, o único que pode lhe permitir ser reconhecida como o raiz da experiência e a aprendizagem da razão."
O caráter intuitivo da fenomenologia, culminando numa filosofia da linguagem que busca uma coincidência da expressão com o dado intuitivo, é uma das características principais da fenomenologia mas não a exclusiva.

Por Creusa Capalbo