domingo, maio 23, 2010

Ficha Limpa: Um pequeno passo para a moralização do processo político eleitoral.

Recibi por  email este artigo do Fabio Valentin, que apos lido está postado para que meus leitores percebam
a riqueza dos comentario que o colega expoe sobre o tema e como a filosofia pode ajudar a compreender o emaranhado polilitico do Brasil.

Ficha Limpa: Um pequeno passo para a moralização do processo político eleitoral.

Agora está confirmado. O senado aprovou o projeto ficha limpa, falta somente o presidente Lula sancionar. Passando essa fase só restará o poder judiciário decidir se será validado já para o pleito que ocorrerá em outubro próximo.

Um bom projeto, mas que precisará ser melhorado ao longo do tempo. Sem dúvidas foi um grande passo para nossa classe política, visto como eles se esquivavam de aprovar projetos que trarão benefícios, exclusivamente, para a sociedade. Porém, este é apenas um pequeno passo rumo à moralização do processo eleitoral.

Como vimos no desenrolar desse processo, tudo não passa de uma ação embrionária do pleno desenvolvimento do individuo como ator realmente presente, nos processos formadores da democracia, conforme nos mostrou Cristovam Buarque (PDT/DF), em seu pronunciamento no senado, esse é um momento histórico de construção de novas formas de exercício da cidadania.

Desta forma a “Ágora virtual”, onde os cidadãos - internautas exercem seu direito de isegoria (do grego: isos = igual, e agos = orador, significa a liberdade de expressar opiniões nas assembléias.) através da redes sociais como twitters, orkut e mesmo os blogs. Direito este que na atualidade é deixado de lado devido a barreiras inúmeras, como o distanciamento físico e rotinas diárias de cada um, mas que através da mobilização existente no ambiente virtual, os anseios do povo podem chegar até àqueles que na teoria são seus representantes.

Os princípios da democracia são a isegoria; já citados a isotimia e a isonomia. Isto é, Isotimia (do grego: isos = igualdade, e timos = riqueza, indicava o direito de todos ao acesso às funções públicas, abolindo-se os títulos e privilégios hereditários, fundados, quase sempre, na riqueza.).

E de acordo com a nossa constituição, esse principio é respeitado, todavia o que vemos na prática é que o poder financeiro é fator decisivo na hora de ter acesso a um cargo público eletivo. Fala-se em números milionários que são necessários ao financiamento de uma campanha de governador de Estado. Como uma forma de inibir o “caixa dois” medidas que permitem o financiamento público e privado de campanhas que são postos na pauta de discussões, mas será que elas são eficazes na defesa desse principio democrático? Penso que não.

Entretanto como nos mostrou ontem em seu pronunciamento Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC), outras medidas devem ser tomadas.

O senador do Acre defendeu a criação do projeto “conta limpa”. Segundo ele, seria permitida a doação de qualquer valor por parte de pessoas físicas ou jurídicas, isso seria uma forma de patriotismo, aliás, o dinheiro, não seria doado diretamente para o candidato, e sim para uma conta do tribunal eleitoral própria, a fim de que se fizesse o financiamento do processo eleitoral, além do que seria rateado entre os partidos pelo mesmo sistema do fundo partidário.

Parecem-nos que esta é uma boa idéia; mesmo porque, atualmente, os candidatos recebem o dinheiro para sua campanha favorecendo o surgimento de tráfico de influencias e corrupção.

Desse modo, o candidato que está bem preparado financeiramente, larga com vantagens em relação ao candidato que está bem preparado em suas idéias e municiado com projetos e planos de governo.

Já em relação à Isonomia (do grego: iso = igual e nomos = regras) era, como visto, a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de grau, classe ou poder econômico.

Esse é um direito já conquistado, no âmbito do processo eleitoral. Visto que o sufrágio universal é garantia de direito de todos de votar. O que ocorre é que a necessidade momentânea e imediata faz com que muitos eleitores troquem o seu voto por uma camisa, boné ou mesmo uma cesta básica ou saco de cimento. Não percebem aqueles que seus atos estão fazendo com que corruptos tenham acesso a cargos eletivos públicos.

E a moralidade política eleitoral, sem dúvida nenhuma, passa por mudanças no processo eleitoral. Mas passa, antes de tudo, por maior rigor do poder judiciário na hora de julgar as pilhas de processos já existentes em todo o país de envolvidos em crimes contra o patrimônio publico; efetuados por políticos do mal uso de suas atribuições decorrentes de cargos públicos.

Naturalmente, passará pelos próprios partidos quando começarem a proibir que os políticos “fichas sujas” façam parte de seu grupo de afiliados. E, certamente, passará pela sociedade que deverá não somente parar de votar naquele tipo de político e, sim, bani-los de uma vez por todas da vida pública.

Precisamos como sociedade, perceber que a corrupção começa com os pequenos erros ou desvios de conduta. Quando um pai dá um “agrado” ao professor para que seu filho passe de ano; quando fingimos que estamos conversando com alguém, e na cara de pau se fura a fila; quando damos de qualquer forma o velho “jeitinho brasileiro” estamos sendo corruptos.

É esse tipo de corrupção socialmente aceita ou mesmo velada que estamos partindo para corrupções mais nocivas. Não se esqueçam que os políticos são partes deste meio social, são frutos desta sociedade e não objetos vindos de outra galáxia. Como Aristóteles afirmou: Não faz mal que alguém não goste de política, o problema é que ele será governado por aqueles que gostam. Mas esse é um assunto para outra conversa...


Fabio Alves Valentim, professor de Filosofia e especialista em Ética e Filosofia Política, pela UERN.

segunda-feira, maio 17, 2010

O benefício da dúvida - Autor: Ferreira Gullar


Fonte: Folha de S. Paulo (edição impressa)

Difícil é lidar com donos da verdade. Não há dúvida de que todos nós nos apoiamos em algumas certezas e temos opinião formada sobre determinados assuntos; é inevitável e necessário. Se somos, como creio que somos, seres culturais, vivemos num mundo que construímos a partir de nossas experiências e conhecimentos. Há aqueles que não chegam a formular claramente para si o que conhecem e sabem, mas há outros que, pelo contrário, têm opiniões formadas sobre tudo ou quase tudo. Até aí nada de mais; o problema é quando o cara se convence de que suas opiniões são as únicas verdadeiras e, portanto, incontestáveis. Se ele se defronta com outro imbuído da mesma certeza, arma-se um barraco.

De qualquer maneira, se se trata de um indivíduo qualquer que se julga dono da verdade, a coisa não vai além de algumas discussões acaloradas, que podem até chegar a ofensas pessoais. O problema se agrava quando o dono da verdade tem lábia, carisma e se considera salvador da pátria. Dependendo das circunstâncias, ele pode empolgar milhões de pessoas e se tornar, vamos dizer, um “führer”.

As pessoas necessitam de verdades e, se surge alguém dizendo as verdades que elas querem ouvir, adotam-no como líder ou profeta e passam a pensar e agir conforme o que ele diga. Hitler foi um exemplo quase inacreditável de um líder carismático que levou uma nação inteira ao estado de hipnose e seus asseclas à prática de crimes estarrecedores.

A loucura torna-se lógica quando a verdade torna-se indiscutível. Foi o que ocorreu também durante a Inquisição: para salvar a alma do desgraçado, os sacerdotes exigiam que ele admitisse estar possuído pelo diabo; se não admitia, era torturado para confessar e, se confessava, era queimado na fogueira, pois só assim sua alma seria salva. Tudo muito lógico. E os inquisidores, donos da verdade, não duvidavam um só momento de que agiam conforme a vontade de Deus e faziam o bem ao torturar e matar.

Foi também em nome do bem – desta vez não do bem espiritual, mas do bem social – que os fanáticos seguidores de Pol Pot levaram à morte milhões de seus irmãos. Os comunistas do Khmer Vermelho haviam aprendido marxismo em Paris não sei com que professor que lhes ensinara o caminho para salvar o país: transferir a maior parte da população urbana para o campo. Detentores de tal verdade, ocuparam militarmente as cidades e obrigaram os moradores de determinados bairros a deixarem imediatamente suas casas e rumarem para o interior do país. Quem não obedeceu foi executado e os que obedeceram, ao chegarem ao campo, não tinham casa onde morar nem o que comer e, assim, morreram de inanição. Enquanto isso, Pol Pot e seus seguidores vibravam cheios de certeza revolucionária.

É inconcebível o que os homens podem fazer levados por uma convicção e, das convicções humanas, como se sabe, a mais poderosa é a fé em Deus, fale ele pela boca de Cristo, de Buda ou de Muhammad. Porque vivemos num mundo inventado por nós, vejo Deus como a mais extraordinária de nossas invenções. Sei, porém, que, para os que crêem na sua existência, ele foi quem criou a tudo e a todos, estando fora de discussão tanto a sua existência quanto a sua infinita bondade e sapiência.

A convicção na existência de Deus foi a base sobre a qual se construiu a comunidade humana desde seus primórdios, a inspiração dos sentimentos e valores sem os quais a civilização teria sido inviável. Em todas as religiões, Deus significa amor, justiça, fraternidade, igualdade e salvação. Não obstante, pode o amor a Deus, a fé na sua palavra, como já se viu, nos empurrar para a intolerância e para o ódio.

Não é fácil crer fervorosamente numa religião e, ao mesmo tempo, ser tolerante com as demais. As circunstâncias históricas e sociais podem possibilitar o convívio entre pessoas de crenças diferentes, mas, numa situação como do Oriente Médio hoje, é difícil manter esse equilíbrio. Ali, para grande parte da população, o conflito político e militar ganhou o aspecto de uma guerra religiosa e, assim, para eles, o seu inimigo é também inimigo de seu Deus e a sua luta contra ele, sagrada. Não é justo dizer que todos pensam assim, mas essa visão inabalável pode ser facilmente manipulada com objetivos políticos.

Isso ajuda a entender por que algumas caricaturas – publicadas inicialmente num jornal dinamarquês e republicadas em outros jornais europeus – provocaram a fúria de milhares de muçulmanos que chegaram a pedir a cabeça do caricaturista. Se da parte dos manifestantes houve uma reação exagerada – que não aceita desculpas e toma a irreflexão de alguns jornalistas como a hostilidade de povos e governos europeus contra o islã–, da parte dos jornais e do caricaturista houve certa imprudência, tomada como insulto à crença de milhões de pessoas.

Mas não cansamos de nos espantar com a reação, às vezes sem limites, a que as pessoas são levadas por suas convicções. E isso me faz achar que um pouco de dúvida não faz mal a ninguém. Aos messias e seus seguidores, prefiro os homens tolerantes, para quem as verdades são provisórias, fruto mais do consenso que de certezas inquestionáveis.