terça-feira, dezembro 01, 2009

FENOMENOLOGIA PARTE II

Caráter Intuitivo da Fenomenologia


Husserl fala da Intuição doadora de sentido, de uma Visão que constitui seus objetos.
Uma palavra não tem materialmente sentido: ela é uma realidade sensível como o mundo físico. Uma palavra torna-se sinal, portadora de sentido, graças à consciência que é mais do que perceptiva, ela é capaz de realizar atos significativos.
O ideal do conhecimento para Husserl será realizado por uma apreensão das coisas nelas mesmas, por uma consciência capaz de preencher integralmente todas as potencialidades significativas das coisas. Este ideal porém é uma idéia no sentido kantiano, isto é, nós não podemos nunca alcançar essa plenitude.
A nossa significação segunda Husserl é preenchida de dois modos: i) pela imaginação: ela nos dá a coisa numa imagem; e ii) pela percepção: sensível - (matéria) categorial - (forma)
A Fenomenologia não aceita que possamos distinguir, nos objetos ideais, o lógico e o real. Os objetos ideais não são nem puramente lógicos, nem reais, nem uma síntese dos dois.
A fenomenologia afirma que toda consciência é intencional e que nenhum objeto é pensável sem referência a um ato da consciência que consegue alcançá-lo. A evidência do conhecimento consiste no fato da presença do objeto na consciência. Mas nenhuma evidência é adequada, isto é, nem na percepção nem no juízo, a coisa seda totalmente, adequadamente.
A evidência e a percepção possuem um horizonte (de passado e de futuro), elas se desenvolvem no tempo, elas estão situadas. Assim o pensamento está em situação, ele está inserido numa linguagem. Conforme seja a nossa inserção no mundo, assim nossas evidências serão diferentes; já que há pluralidade de perspectivas do mundo, haverá também uma pluralidade de verdades.
Aqui estamos mais próximos de Heidegger e M. Ponty que de Husserl. Para este todo pensamento visa a coisa e só se exerce na presença do mundo, por isto a verdade como adequação será a do conhecimento à coisa. Entretanto se para o pensamento clássico, essa definição se obtém, graças ao primado do juízo, para Husserl, ele acrescentará que tal juízo só se concebe quando enraizado, fundado numa experiência ante-predicativa. Essa experiência ante-predicativa transcende a distinção do sensível intelectual. O que Husserl quer, para evitar o psicologismo da época, é distinguir o juízo como ATO de afirmação, do juízo com CONTEÚDO RELACIONAL visado.
Husserl distingue pensamento e conhecimento. O conhecimento é explicado como preenchimento (Erfühlung) da intenção. A intenção é dita significativa quando significamos intencionalmente o objeto, sem levar em conta a sua presença.
Quando esta intenção é preenchida pela presença do objeto nós temos uma intuição. Podemos assim definir a intuição como o preenchimento de uma intenção.
A consciência dessa intuição é chamada de evidência e ela pode ser de três modos. A cada um dos modos da evidência teremos, conseqüentemente em correspondência, um tipo de intuição. A evidência é uma experiência que se reveste de diferentes modalidades em conformidade com o caráter do objeto experimentado.
O objeto intuído e experimentado pode ser REAL e IMAGINADO ou RECORDADO. O objeto real apresenta-se em pessoa, na sua mesma corporeídade, em si mesmo ou imediatamente: PRE-SENTAÇÃO. A intuição tem então um caráter peculiarmente fundamental, e por isso é chamado intuição originária ou percepção. O objeto imaginário ou recordado não é apresentado de uma forma plenamente originária. Não temos portanto uma presentação, mas, uma presença de caráter inferior: REPRESENTAÇÃO ou APRESENTAÇÃO. Trata-se de uma posse indireta do objeto apreendido através de outro dado imediato que de alguma maneira o sugere ou apresenta.
No objeto podemos, também, distinguir três espécies diversas: OBJETO SENSÍVEL, CATEGORIAL e UNIVERSAL.
a) OBJETO SENSÍVEL: trata-se duma percepção; o objeto é apreendido na sua singularidade empírica, de um modo simples, sem necessidade de qualquer fundamento. Teremos a intuição sensível.
b) INTUIÇÃO CATEGORIAL OU AFIRMAÇÃO: refere-se a formas ou OBJETOS CATEGORIAIS. O termo não é derivado das categorias de Kant. Baseia-se no sentido do verbo grego AFIRMAR, EXPRIMIR. Na afirmação: "este prado está florido", o "prado", as "flores", são objetos sensíveis; mas o fato do prado estar florido, que é precisamente o que se afirma, é um objeto categorial.
Por certa extensão é denominado categorial qualquer objeto supra-sensível ou ideal, isto é, não apreensível pelos sentidos, ou mesmo o aspecto metempírico do objeto sensível. Podemos pois falar de intuição categorial sempre que se dá uma percepção supra-sensível, à qual se pode também insinuar mesmo em percepções de caráter fundamentalmente sensível.
Pela intuição categorial, Husserl supera o empirismo, que restringe a intuição aos objetos sensíveis. As coisas, a realidade, não se podem confundir com as coisas da natureza: "A última fonte de direito de todas as afirmações racionais é o ver imediato, não apenas o ver sensível ou experimental mas o ver em geral como consciência doadora originária em qualquer das suas formas"; e
c) OBJETOS UNIVERSAIS - (= ESSÊNCIA, ou EIDOS): são conceitos universais ou formas capazes de se verificarem invariavelmente em diferentes indivíduos.
É relativamente a estes objetos que se dá, no seu sentido próprio, a intuição eidética ou ideação.
Husserl chamará de NOEMA a descrição das diversas maneiras como o objeto se mostra quando é intencionado e chamará NOESIS a cada ato da consciência. Assim, a cada noesis corresponde um noema correlativo. Exemplo: à noesis ato de imaginar (imaginação) teremos o correlato noemático imaginário (Ibid., pp. 315-316; 370-375).
Essa preocupação com a descrição dos correlatos noético-noemáticos predomina em Husserl até as Meditações Cartesianas. Daí em diante a fenomenologia passa a ser desenvolvida com uma disciplina pela qual o sujeito é quem passa a ser doador de sentido.
Mas Husserl sabe que um conhecimento para ser objetivo tem de ser inter-subjetivo e por isto, como esse sujeito doador de sentido, para não cair no solipsismo, pode se comunicar, ser compreendido e apreendido pelo outro? Husserl terá, assim, de tratar do "outro eu" e da constituição dos objetos para uma pluralidade de sujeitos. Ele vai apelar para o conceito de sentimento interior ou intropatia (Einfühlung). Esse termo era usado pelos contemporâneos de Husserl para falar do problema da percepção dos outros por intermédio dos corpos. Isso significa que o meu EU pode ser dado como interioridade e como exterioridade e isso se dá de uma forma imediata, e não por um pensamento mediatizado. Esse sentimento interior permite que se constituam outros eus idênticos ao meu eu, na consciência transcendental.
Por esta consciência transcendental é que Husserl queria assegurar á filosofia um caráter de evidência absoluta. Podemos dizer, assim, que do ponto de vista metodológico a fenomenologia se propôs, inicialmente, ser um método de evidência ou uma filosofia primeira.
Será posteriormente que a fenomenologia se proporá como método descritivo, como "uma disciplina puramente descritiva, que explora, pela intuição pura, o campo da consciência transcendental mente pura" (Ibid., p. 141).
A seguir com Heidegger, M. Ponty, E. Fink, Sartre, a escola de Louvain, P. Ricoeur, não haverá mais a preocupação em passar do sujeito empírico para o sujeito transcendental. A descrição se aplica â explicação da existência humana situada no seu aqui e agora. O que se trata, então, é de descrever de que maneira concreta e original o meu corpo pertence à minha experiência, a existência dos outros e do mundo aparecem e pertencem à minha experiência.
Segundo Desanti (Desanti, jean T.: Phénoménologie et práxis. Ed. Sociales, 1963, pp 60-65) essa tendência da fenomenologia, oriunda do pensamento da "Krisis" de Husserl, renova, num certo sentido, o projeto de Hegel. "Ela quer colocar em evidência o movimento de auto-educação da consciência, quer nos indicar o campo histórico onde esta consciência acede a si mesma, na variedade de seus conteúdos e unidades dos momentos, o único que pode lhe permitir ser reconhecida como o raiz da experiência e a aprendizagem da razão."
O caráter intuitivo da fenomenologia, culminando numa filosofia da linguagem que busca uma coincidência da expressão com o dado intuitivo, é uma das características principais da fenomenologia mas não a exclusiva.

Por Creusa Capalbo

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